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sexta-feira, 5 de maio de 2017

Para lembrar Belchior

Belchior | Divulgação

Abril não poderia ter acabado de um jeito pior. Depois da notícia da morte daquele que se tornou meu cantor preferido, eu constatei que, definitivamente, vestígios de 2016 ainda pairam no ar. Belchior se foi. A tragédia maior que poderia acontecer ficou mesmo para o quarto mês do ano que prometia ser melhor. 

Não posso reivindicar meu lugar de fã número 1, até porque nem sequer cheguei a ouvir todas as suas composições. Acontece que música, pra mim, tem que ser levada no ritmo de um bom livro: nem sempre dá para digerir às pressas. E eu ainda não digeri as letras de Belchior. Cada uma delas ficava semanas, meses rodando na minha cabeça e elas sempre fizeram um sentido além do comum desde quando eu as ouvia pela primeira vez.

Eu gosto de Chico, Caetano e outros nomes da MPB que se solidificaram com um trabalho construído na época da ditadura, mas Belchior sempre veio antes e eu nem sei bem explicar o motivo. Talvez seja porque a minha história com esse cantor foi pautada na descoberta - mas isso é uma hipótese.

Nas minhas famigeradas aulas de literatura no ensino médio, certo dia me deparei com o poema "A palo seco", do João Cabral de Melo Neto. Em um box constava a relação do poema com a música homônima e, foi assim, desprevenida, que eu entrei nessa estrada sem volta.

Lembro que, ao chegar em casa, eu procurei a música no YouTube e escrevi a letra em uma folha de caderno. Tudo porque a professora de literatura fez um comentário que me instigou a conhecer essa música, e também o cantor. Com a letra anotada, eu fui relembrando a melodia recentemente ouvida enquanto ia pro trabalho. Naquela época tecnologias que envolviam músicas em celulares e afins ainda não faziam parte da minha vida.


"Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava
De olhos abertos, lhe direi
Amigo, eu me desesperava..."

A letra me pegou.  A música me pegou. Eu a repeti por dias seguidos no YouTube, baixei pelo falecido aTube Catcher e ainda hoje tenho esse download em mp3 comigo aonde quer que eu vá.

Eu não lembro qual foi a segunda música do Belchior que eu ouvi, mas sei que naquele ano de 2010 eu escutava muuuuito Memórias a respeito de John, Como nossos pais, Apenas um rapaz latinoamericano e Velha roupa colorida. E nossa! como eu discordava totalmente de Velha roupa colorida. Como assim "o passado é uma roupa que não nos serve mais"?, perguntava indignada a Andressa de 17 anos. Porque eu tinha mil teorias de como o passado seria um aprendizado, que serviria como guia para nortear as vidas para longe dos erros cometidos. Hahahahahaha. Hoje eu entendo tanto essa música que ela é uma das minhas preferidas. (E, por mais que eu admire Elis, odeio essa música na versão "imortalizada" por ela. Desculpa, mundo).


"Você não sente não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era jovem novo, hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer..."

Depois vieram outras e todas elas sempre me fizeram querer, um dia, conhecer esse cantor (Divina comédia humana, Tudo outra vez, Coração selvagem, Alucinação, Pequeno mapa do tempo, Medo de avião, Balada de Madame Frigidaire, Brasileiramente linda, Na hora do almoço, Quinhentos anos de quê?, Esquadros, Os profissionais, Sujeito de sorte, Jornal bues, Voz da América e Galos, noites e quintais).

Eu queria conhecer o Belchior, mas não pra ir num show, pegar autógrafo e essas coisas. O que eu queria era uma oportunidade pra, sei lá, encontrar com ele e dizer: "Nossa, admiro demais o seu trabalho, as suas músicas. Elas fazem sentido pra mim de um jeito que eu nem sei explicar".

Quando o jornalismo entrou na minha vida e os amigos começaram a falar de seus sonhos na profissão, eu pensava que se um dia eu pudesse entrevistar o Belchior, eu me sentiria realizada e esse seria uma espécie de marco que eu levaria pra sempre comigo. E nem precisava ser para algum veículo específico. Que fosse uma entrevista pra eu publicar na agência de notícias da faculdade ou nesse blog mesmo hahaha. Mas acho que se um dia isso pudesse acontecer, eu não teria a compostura que a profissão exige em situações como essa.

E é assim, sem possibilidades, que estamos todos nós que admiramos esse cantor. Fui achar um conforto lá no instagram.com/voltabelchior e me senti compreendida. Encontrei tanta gente e foi bom demais ler os comentários de quem admira as músicas dele.

O que me consola é saber que ainda há muito de Belchior por aqui, para ser ouvido e apreciado. Nesses últimos meses eu descobri uma outra música que me cativou de um jeito louco: Paralelas. Eu já conhecia, mas nunca tinha parado para ouvir com atenção. E, agora, ela não sai de mim.


"Como é perversa a juventude do meu coração
Que só entende o que é cruel,
o que é paixão..."

Como deixar ir assim um dos, literalmente, maiores nomes da MPB? Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes. Esse nome, de tão grande, parece até nome de gente da realeza. Como deixar partir um dos únicos que abriu mão da sedução que é ser idolatrado para fazer um alerta a todos: "Não me sigam, porque eu também estou perdido"? Esse alerta que faz tanto sentido em tempos como os nossos.

Por mais que o momento seja propício, ainda não estou pronta para ouvir Arte final. Meu adeus vai ser bem assim, aos poucos. E, talvez, ele nunca seja um "adeus" de fato, e sim um eterno "até logo". 

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