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terça-feira, 10 de abril de 2018

Ruas escuras demais

Reprodução/Pexels
Descendo apressada pela rua, ela assusta outras mulheres no trajeto que faz de segunda à sexta – geralmente após às dez e meia da noite. A bolsa, as mãos e tudo o que traz consigo seguem agarradas, grudadas ao corpo, numa tentativa de criar para si um escudo de proteção contra os perigos da noite. 

“Leva um guarda-chuva”, aconselhou certa vez uma conhecida. Segundo essa lógica, ninguém chegaria perto de uma mulher aparentemente pronta para se defender. Mas ela, ao descer religiosamente a rua escura, nem sempre encontrava o tempo fechado. E a sombrinha que trazia na bolsa certamente não lhe bastaria.

Por isso, prendia os cachos em um coque alto, atenta a todo o momento para que ele não se desfizesse.

Esse gesto que bem poderia ser daqueles que Machado de Assis atribuiria às peculiaridades de cada indivíduo era, na verdade, um gesto aprendido. Um gesto que a ligava a outras mulheres que diariamente descem e sobem ruas desertas. Ruas que, por mais postes que tenham, sempre são escuras demais. Nessas ruas, ela evitava as calçadas quando um carro estranho surgia como uma peça fora de contexto.

E foi na execução automática desse gesto aprendido que ela subestimou um outro gesto, um que era unicamente seu. Passou pelo casal que seguia no sentido contrário sem olhar nos olhos da garota.

Ela não percebeu que, ao contrário das mulheres que se assustavam com seus passos rápidos, aquela garota acompanhada tentava desesperadamente apenas ser percebida.
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A notícia que ela leria no dia seguinte citaria o local, o horário e o fato - como uma boa notícia sabe informar. Mas através dessa notícia, o leitor comum não seria capaz de supor todos os aspectos que aproximavam diariamente as diferentes mulheres que sobem e descem ruas desertas.

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